Apesar de um ano não-eleitoral, 2023 foi marcado por estreia e reestreia de governos estaduais e federais – além de grandes conflitos e acontecimentos internacionais.
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Poder News conversou com quatro cientistas políticos, para discutir os principais pontos deste ano que termina, além das perspectivas para 2024.
O ponto mais citado entre os especialistas, como marcante em 2023, foram as relações entre os Três Poderes brasileiros.
O que marcou 2023
Para Carla Michele Quaresma, mestre em sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), houve uma reconstrução e atuação mais pacífica das instituições representativas da República, a partir da destruição provocada pelos ataques bolsonaristas do 8 de janeiro.
“O País acompanhou, consternado, àquelas cenas. Inclusive, adeptos, militantes, eleitores do ex-presidente Bolsonaro também condenaram aquelas cenas de barbárie. Acredito que esse tenha sido um evento muito marcante e tudo o que aconteceu após esse evento”, analisa Michele, professora da Faculdade Ari de Sá.
Na mesma linha, o professor e pesquisador de ciência política da UFC, Cleyton Monte, considera que a maior marca de 2023 foi o retorno do diálogo institucional e democrático – ao contrário, segundo o professor, das ideias do governo do ex-presidente.
“Por mais que tenhamos tensões, crises e embates, houve um esforço para uma maior aproximação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Houve retorno do Pacto Federativo e aproximação do governo federal e governos dos estados”, observa Cleyton.
Para outros, como Leonardo Bayma, consultor e analista político, no entanto, são justamente essas tensões que marcaram o ano que passou.
“No Brasil, a marca, sem dúvida, é o avanço dos poderes do Legislativo sobre o controle do Orçamento da União e a sua reação contra a hipertrofia de poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as decisões legislativas”, comenta Bayma.
O cientista político cita, ainda, o crescimento da dependência do governo Lula de alianças com partidos de centro-direita, além de conflitos institucionais entre os poderes, que levarão a mais reformas institucionais e mais fortalecimento do Poder Legislativo.
Essa relação entre os poderes, especialmente o Executivo e o Legislativo, foi, para Luiz Cláudio Ferreira Barbosa, sociólogo e consultor político, o maior desafio do primeiro ano do terceiro mandato de Lula.
O presidente, segundo Luiz Cláudio, se deparou com um cenário totalmente diferente do que deixou em 2010, ao fim de seu oitavo ano no comando nacional, com maior dificuldade nas articulações com o Congresso Nacional.
Nesse sentido, uma das pastas mais afetadas foi o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad (PT). Luiz Cláudio explica que a estratégia utilizada foi de “contenção de gastos e arrecadação”, algo que não estava no “script” inicial da campanha eleitoral de Lula.
“Uma parte da população do setor produtivo sabe que vai ter que arcar com isso, e pra piorar a situação, eles também não acreditam muito que o estado tenha condições de gastar muito bem esses recursos. Há sim essa visão negativa de que o Lula trabalha muito para as duas pontas, lá de cima, dos muito ricos, e lá de baixo, para os pobres”, distingue Luiz Cláudio.
2023 para o Governo do Estado
Na visão de Luiz Cláudio, o primeiro ano do governador Elmano de Freitas (PT), comandando o Estado do Ceará, também foi marcado pelas ações econômicas.
“Elmano está tentando economizar tudo o que pode. Um ano de ajuste fiscal muito forte dentro do governo estadual. Sim, há dívidas muito altas, do período Cid Gomes e do período Camilo Santana, que vão estourar agora”.
Para Luiz Cláudio, um dos desafios de Elmano é o fato de ele não vir de uma escola econômica pós-liberal e ter de gerir um estado que tem de intervir e ajudar os mais necessitados.
Por isso, analisa o consultor, Elmano teve de “recuar” e “investir principalmente em um estado arrecadador eficiente, que gaste com mais eficiência e torcendo para que o Governo Federal o ajude”.
Conflitos internacionais
Retomando Leonardo Bayma, o especialista comentou que, em termos mundiais, a marca política de 2023 foi o aprofundamento da disputa entre o bloco liberal democrático que tem Estados Unidos e Europa à frente e o bloco totalitário liderado por China e Rússia com novos países não democráticos associados ao BRICS como por exemplo o Irã.
“Já na América do Sul, a marca é a volta do pêndulo entre direita e esquerda com o forte retorno de governos de direita na região como se deu nas eleições do Equador e da Argentina”, estima Bayma.
Quais as perspectivas para 2024?
Regional e nacional
Para o ano que vem, os especialistas consideraram que as análises nacionais e regionais devem ser tratadas com mais proximidade durante as eleições municipais.
Isso porque, conforme projeta Leonardo Bayma, os pleitos servirão de termômetros e de avaliação de gestões e alianças políticas.
“Poderemos analisar como a população está vendo os atuais governos, as alianças entre partidos e o poder de base de cada partido e campo político ideológico para as eleições de 2026”, explica.
Essa visão é corroborada por Cleyton Monte, ao avaliar que ainda haverá embates entre bolsonaristas e lulistas, especialmente nas grandes cidades e capitais.
“Será o teste pra verificar a força do bolsonarismo no Brasil, as candidaturas ligadas ao ex-presidente Bolsonaro. Também será um teste para verificar o apoio ao Governo Lula, que estará na metade, a disputa municipal também é uma avaliação do capital político do presidente. Então até que ponto ele influencia, até que ponto ele consegue eleger aliados”, calcula Cleyton.
Para o analista Luiz Cláudio, no entanto, essa polarização não será tão grande no Ceará. Para o cientista político, a população seguirá por duas vias: ou reelegerá prefeitos bem avaliados, ou, caso eles não possam se reeleger, optarão por um grupo aliado.
“A oposição, nesse caso será mais eclética. Ela vai se reorganizar, e na minha avaliação pode ter uma surpresa em alguns municípios a dobradinha União Brasil-PL acontecer, junto com o PDT”, prevê Luiz Cláudio.
Internacional
Ainda analisando o cenário internacional, Leonardo Bayma aposta que as tendências conflituosas do ano de 2023 sigam no ano seguinte.
“O cenário é de um mundo de conflitos armados e ações terroristas, além da América Latina, com o avanço de governos de direita, como no Peru e no Chile, sucedendo os atuais governos de esquerda”, projeta Bayma.
Questões sociais
Ao analisar as perspectivas para o ano de 2024, a cientista Carla Michele Quaresma destaca uma questão mais específica de políticas públicas: a promoção de melhoria de indicadores sociais.
Para a professora da Faculdade Ari de Sá, isso será um foco do Governo Federal, tendo em vista que ainda há um contingente muito grande no Brasil de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“A despeito das políticas públicas de déficit fiscal, acredito que haja grandes investimentos nessa área social pra retomar. Essa foi uma marca dos primeiros governos do presidente Lula”, argumenta a professora.
O objetivo, então, seria a busca pela mudança desses indicadores sociais. “Principalmente os ligados a investimentos que revertam a situação dessas pessoas que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza no Brasil”, comenta Michele.